Posted: November 12th, 2019 | Author: Perceptos | Filed under: General | Comments Off on O que é tecnocracia?

A noção de tecnocracia pode ser definida como o governo conduzido por especialistas técnicos, tanto engenheiros e cientistas quanto economistas e sociólogos, da ordem científica a ordem social-econômica. Defende-se que os tecnólogos são os mais aptos para governar uma sociedade, dado seu conhecimento técnico: matemático, para Platão; científico e de engenharia da época, para Francis Bacon (a partir de empreendedores que aconselhavam os governantes em Nova Atlântida); e científico, sendo a política uma forma de ciência aplicada ou engenharia social, para Augusto Comte, dentre outros teóricos do tema.
A reverberação do sistema tecnocrático no século XX até os dias de hoje se dá por meio de figuras como o economista Thorstein Veblen (1857-1929). Veblen foi o responsável pela comparação e aproximação das práticas dos negócios com a eficácia dos engenheiros. Propôs uma sociedade governada por engenheiros em vez de negociantes, pois, de acordo com ele, o engenheiro possui um “instinto de execução” humano enquanto o negociante possui instintos predatórios que não seriam úteis para um governo. Seu movimento tecnocrático político teve um breve momento de interesse e popularidade, quando caiu no esquecimento e a tecnocracia passou a se difundir de maneiras mais sutis.
A tendência tecnocrática realmente tomou força nos EUA a partir do movimento progressista do período da Primeira Guerra Mundial e do New Deal, por meio de figuras como Franklin Roosevelt (1882-1945). Comumente também sob o termo de engenharia social, a cultura do engenheiro como ideal administrador público espalhou-se tanto na sociedade americana quanto na Suécia, Alemanha e até nas duas ditaduras totalitárias do período da Segunda Guerra.
“[…] O nazismo incorporava uma estranha mistura retórica de antiintelectualismo, paganismo, alimentação saudável, nudismo, retorno à natureza e uma crença tecnocrática na capacidade dos engenheiros da nova tecnologia de levar o regime ao poder mundial. […] Na URSS, uma forte ideologia tecnocrática esteve presente na retórica stalinista de industrialização forçada (Bailes, 1978).” (Dusek, 2009, p. 70)
Na sociedade pós-industrial, aquela feita pelo crescente domínio do processamento de informações e das indústrias de serviços, fato que levou a novas formas de operários educados para supervisionar máquinas automatizadas e também levou ao governo tecnocrático (Dusek, 2009, p. 72), pode-se notar que a tecnocracia se dá a partir de fenômenos como a posse de grandes corporações por acionistas, mas dirigidas por administradores (ao contrário das antigas firmas de família, geridas e possuídas pela própria família), sendo os últimos dependentes de uma nova classe, composta por planejadores, engenheiros, psicólogos industriais, especialistas de publicidade, marketing e mídia, economistas e contadores, responsáveis por fornecer informações aos administradores.
“Alguns teóricos conservadores da sociedade pós-industrial afirmam que uma ‘nova classe’ é identificada com tecnocratas ou administradores, e às vezes é descrita como classe administrativa profissional (CAP)” (Dusek, 2009, p. 73)
O teórico Galbrath (1967) chega a afirmar que existem duas formas de tecnocracia, uma mais simples e outra mais sutil. A forma mais simples de tecnocracia se dá quando os especialistas técnicos governam diretamente, substituindo os líderes de negócios nas corporações e os políticos no governo de Estado. A outra forma, mais sutil, se dá quando os governantes (tanto políticos quanto líderes de negócios) dependem dos especialistas técnicos para tomar suas decisões e saber governar.
Podemos notar, portanto, que a classe de tecnocratas tem conquistado cada vez mais espaço, tanto sutilmente, quanto na própria forma de governante, onde o conhecimento tecnológico é colocado como superior, rigoroso e útil, a qualquer outra forma de conhecimento referente a questões sociais e aos problemas da vida cotidiana. É possível notar também que a racionalidade tecnológica, cujos princípios se resumem em racionalidade e eficiência, não é capaz de avaliar diversos problemas sociais como questões ambientais, por exemplo, pois por não possuir valores, retira do domínio da investigação a questão dos fins e dos valores implicitamente dominantes, no caso, dos tecnocratas e governantes.
Leticia Rolim
Referências:
DUSEK, Val. Filosofia da Tecnologia. São Paulo: ed. Loyola, 2009.
Posted: November 12th, 2019 | Author: Perceptos | Filed under: General | Comments Off on Conhecimento tecnológico ou ciência aplicada?

—
O conhecimento tecnológico é costumeiramente colocado no mesmo plano de significação do conhecimento científico, tanto pelo senso comum, quanto por filósofos da ciência que equiparam o conhecimento tecnológico à ciência de modo a chamá-lo “ciência aplicada”, dada a notável proximidade entre o conhecimento científico e o conhecimento tecnológico. A seguir, com a ajuda do texto “La peculiaridad del conocimiento tecnológico” de Alberto Cupani, discorreremos sobre o conhecimento tecnológico buscando entender algumas de suas especificidades e as diferenças e proximidades do conhecimento científico.
Partindo da etimologia, podemos notar que técnica ou tekhne era definida na Grécia Antiga como uma forma de conhecimento, um saber-fazer, logo, um fazer que implica conhecimento. Este conhecimento não será científico, no sentido moderno de ciência, mas ainda será conhecimento, pois processos de pensamento foram desenvolvidos para que se inventasse a máquina a vapor, ou ainda os aquedutos romanos e as pirâmides egípcias, por exemplo.
Podemos observar em primeiro lugar que a índole do conhecimento científico e a do tecnológico são diferentes: enquanto o conhecimento científico parte de um amplo uso de idealizações, o conhecimento tecnológico se mostra mais limitado, pois firma-se na satisfação de tarefas, na produção de algo novo que atenda a determinada demanda. Sendo atividade produtiva, o conhecimento tecnológico busca resolver problemas como a relação custo-benefício, a eficiência e a confiabilidade do artefato, dentre outros que não tangem o fazer científico básico. Ainda, podemos diferenciar entre conhecimento prescritivo e conhecimento descritivo, sendo tecnológico o prescritivo, aquele que se põe como “ciência do artificial”, onde “[…] lo artificial constituye um sistema adaptado al ambiente em función de determinado propósito humano, un objeto (artefacto) con propriedades deseadas, ideado y fabricado conforme um diseño o proyecto (design)” (Cupani, A. 2006, p.356), e o descritivo como aquele exercido pela ciência, que descobre, descreve e explica o já existente e tem teorias de amplo alcance advindas de idealizações.
Quanto às noções distintas de tecnologia, Bunge apresenta a existência de dois tipos: as substantivas e as operativas. As substantivas concentram-se no conhecimento sobre a ação tecnológica, como a teoria sobre o vôo; as operativas focalizam na operação da ação tecnológica, a operacionalidade de que depende o funcionamento dos artefatos (Bunge, 1969, p. 684). Dadas estas noções, podemos perceber com maior especificidade que o conhecimento tecnológico está limitado a tarefa (sem deixar, por isso, de produzir conhecimento e ter valor cognitivo), enquanto a ciência se limita a teoria, de acordo com Joseph Pitt (cf. 2000, p. 33 ss).
As explicações tecnológicas, por sua vez, não se encerram na explicação causal; na verdade, preocupam-se com a funcionalidade do objeto (artefato), de que forma o projeto (design) cumpre determinada função de acordo com sua estrutura física. Ao contrário, a explicação científica irá de encontro com a causa, sem explicar funções.
A noção de conhecimento tecnológico é o conhecimento do que é possível, e diferencia-se da noção de conhecimento científico no que diz respeito à noção de verdade ou falsidade. Enquanto o conhecimento tecnológico caracteriza-se pela eficiência ou não eficiência (logo, seu modo de “verdade ou falsidade”), o conhecimento científico caracteriza-se pela verdade ou falsidade dos enunciados que é capaz de formular sobre as estruturas físicas.
O conhecimento tecnológico se põe, então, como um modo específico de conhecimento e de resolver determinados problemas de conhecimento. Não se reduz a técnicas sem valor cognitivo, mas sim a técnicas que implicam conhecimento prático, de eficiência ou não na experiência, de relações de custo-benefício, dentre outros problemas cuja solução o conhecimento tecnológico deseja alcançar. Se põe como um saber útil, mas isso não significa que não produza ocasionalmente saber não útil (Gutting, 1984, p.63).
Portanto, o que se conclui da explicitação sobre o conhecimento tecnológico é que os objetivos e métodos da tecnologia visam determinada demanda na experiência e a eficiência do artefato criado, sem a perda do valor cognitivo. Além disso, o próprio desenvolvimento tecnológico torna possível uma ciência aplicável, sem invalidar constatações e teorias científicas que não tenham aplicação ou interesse prático, dado que conhecimento científico e conhecimento tecnológico não são fases distintas de um progresso cognitivo hierárquico, mas podem relacionar-se entre si.
Leticia Rolim
Referências:
Cupani, Alberto. (2006). La peculiaridad del conocimiento tecnológico. Scientiae Studia, 4(3), 353-371. https://dx.doi.org/10.1590/S1678-31662006000300002 (acesso em 13/10/2019, 21:22)
Recent Comments