Conhecimento tecnológico ou ciência aplicada?

Posted: November 12th, 2019 | Author: | Filed under: General | Comments Off on Conhecimento tecnológico ou ciência aplicada?

O conhecimento tecnológico é costumeiramente colocado no mesmo plano de significação do conhecimento científico, tanto pelo senso comum, quanto por filósofos da ciência que equiparam o conhecimento tecnológico à ciência de modo a chamá-lo “ciência aplicada”, dada a notável proximidade entre o conhecimento científico e o conhecimento tecnológico. A seguir, com a ajuda do texto “La peculiaridad del conocimiento tecnológico” de Alberto Cupani, discorreremos sobre o conhecimento tecnológico buscando entender algumas de suas especificidades e as diferenças e proximidades do conhecimento científico.

Partindo da etimologia, podemos notar que técnica ou tekhne era definida na Grécia Antiga como uma forma de conhecimento, um saber-fazer, logo, um fazer que implica conhecimento. Este conhecimento não será científico, no sentido moderno de ciência, mas ainda será conhecimento, pois processos de pensamento foram desenvolvidos para que se inventasse a máquina a vapor, ou ainda os aquedutos romanos e as pirâmides egípcias, por exemplo.

Podemos observar em primeiro lugar que a índole do conhecimento científico e a do tecnológico são diferentes: enquanto o conhecimento científico parte de um amplo uso de idealizações, o conhecimento tecnológico se mostra mais limitado, pois firma-se na satisfação de tarefas, na produção de algo novo que atenda a determinada demanda. Sendo atividade produtiva, o conhecimento tecnológico busca resolver problemas como a relação custo-benefício, a eficiência e a confiabilidade do artefato, dentre outros que não tangem o fazer científico básico. Ainda, podemos diferenciar entre conhecimento prescritivo e conhecimento descritivo, sendo tecnológico o prescritivo, aquele que se põe como “ciência do artificial”, onde “[…] lo artificial constituye um sistema adaptado al ambiente em función de determinado propósito humano, un objeto (artefacto) con propriedades deseadas, ideado y fabricado conforme um diseño o proyecto (design)” (Cupani, A. 2006, p.356), e o descritivo como aquele exercido pela ciência, que descobre, descreve e explica o já existente e tem teorias de amplo alcance advindas de idealizações.

Quanto às noções distintas de tecnologia, Bunge apresenta a existência de dois tipos: as substantivas e as operativas. As substantivas concentram-se no conhecimento sobre a ação tecnológica, como a teoria sobre o vôo; as operativas focalizam na operação da ação tecnológica, a operacionalidade de que depende o funcionamento dos artefatos (Bunge, 1969, p. 684). Dadas estas noções, podemos perceber com maior especificidade que o conhecimento tecnológico está limitado a tarefa (sem deixar, por isso, de produzir conhecimento e ter valor cognitivo), enquanto a ciência se limita a teoria, de acordo com Joseph Pitt (cf. 2000, p. 33 ss).

As explicações tecnológicas, por sua vez, não se encerram na explicação causal; na verdade, preocupam-se com a funcionalidade do objeto (artefato), de que forma o projeto (design) cumpre determinada função de acordo com sua estrutura física. Ao contrário, a explicação científica irá de encontro com a causa, sem explicar funções.

A noção de conhecimento tecnológico é o conhecimento do que é possível, e diferencia-se da noção de conhecimento científico no que diz respeito à noção de verdade ou falsidade. Enquanto o conhecimento tecnológico caracteriza-se pela eficiência ou não eficiência (logo, seu modo de “verdade ou falsidade”), o conhecimento científico caracteriza-se pela verdade ou falsidade dos enunciados que é capaz de formular sobre as estruturas físicas.

O conhecimento tecnológico se põe, então, como um modo específico de conhecimento e de resolver determinados problemas de conhecimento. Não se reduz a técnicas sem valor cognitivo, mas sim a técnicas que implicam conhecimento prático, de eficiência ou não na experiência, de relações de custo-benefício, dentre outros problemas cuja solução o conhecimento tecnológico deseja alcançar. Se põe como um saber útil, mas isso não significa que não produza ocasionalmente saber não útil (Gutting, 1984, p.63).

Portanto, o que se conclui da explicitação sobre o conhecimento tecnológico é que os objetivos e métodos da tecnologia visam determinada demanda na experiência e a eficiência do artefato criado, sem a perda do valor cognitivo. Além disso, o próprio desenvolvimento tecnológico torna possível uma ciência aplicável, sem invalidar constatações e teorias científicas que não tenham aplicação ou interesse prático, dado que conhecimento científico e conhecimento tecnológico não são fases distintas de um progresso cognitivo hierárquico, mas podem relacionar-se entre si.

Leticia Rolim

Referências:

Cupani, Alberto. (2006). La peculiaridad del conocimiento tecnológico. Scientiae Studia, 4(3), 353-371. https://dx.doi.org/10.1590/S1678-31662006000300002 (acesso em 13/10/2019, 21:22)


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